Sueli Ogawa, coordenadora do Núcleo Feminino da BSGI
A coordenadora em ação
À primeira vista pode até parecer frágil. Porém, ao se deparar com a profundidade de seus olhos e a verve bem humorada de suas palavras, o interlocutor se surpreende. Positivamente. Esta é Sueli Ogawa, dotada de uma sensibilidade forte, cativante e emocionante. É capaz de fazer calar toda uma platéia. Não há um só ser – homens, mulheres e crianças – que não se deixe enlevar e gargalhar com sua fala que emociona, faz rir e penetra profundamente em corações e mentes. Sempre em meio – nunca sobre ou à frente, como faz questão de enfatizar – de suas mais de 60 mil companheiras, associadas da BSGI do Núcleo Feminino, Sueli é o rosto amigo, sincero e honesto, pronto para acolher, consolar e compartilhar forças.
Filha de imigrantes japoneses que aportaram no Brasil em meados da década de 1960, Sueli é a primogênita de uma prole de cinco. Sempre muito espirituosa e obstinada, o pai sabia que sua filha mais velha não se contentaria com a vida simples que ele poderia lhe legar. “Eu não entendia como a vida funcionava e culpava a tudo e a todos. Principalmente meu pai”, conta.
Na adolescência revoltou-se contra o seu o destino e discutiu. “Para que mulher tem que estudar? Mulher tem que ficar em casa, cuidar de filho!”, disse-lhe o pai Shimpei em certa ocasião. Ele só dizia isso para lhe poupar a dor da frustração, pois sabia que não lhe poderia dar o que desejava. “Só muito depois eu fui entender que ele falara isso para que eu me conformasse e não sofresse”, explica Sueli.
O pai Shimpei Soyano migrou para o Brasil em 1965 e foi morar em Campinas (cerca de 100 km da capital São Paulo), onde conheceu a BSGI. Era um jovem de 28 anos cheio de ambições e esperanças por um futuro melhor. Veio para fugir de seus problemas familiares, da miséria e da pobreza. Como não tinha experiência em coisa alguma e não dominava o idioma, foi direto para a zona rural, trabalhar na lavoura.
A solidão em um país estrangeiro pode ser devastadora e, num repente de coragem escreveu à moça que conhecia de vista – vizinha sua no Japão – convidando-a para se juntar a ele nesta aventura. Surpreendentemente, ela aceitou. A jovem Miyoko, porém, também fugia de seu destino, de um pai que bebia para esquecer a luta na guerra e de um lar repleto de desarmonia. “Vindo para o Brasil, ela achou que encontraria a porta da esperança. Entretanto, encontrou um marido exatamente igual ao pai dela”, conta. Foi em meio a essa situação caótica que nasceu Sueli. “Desde criança, eu não conseguia entender nossos sofrimentos”, reflete.
A criança cresceu vendo um lar se desestruturando à sua frente. As dificuldades financeiras levavam o pai ao álcool e daí às discussões entre o casal. Quando adolescente Sueli intrometia-se nas brigas. “Falava que eu não tinha pedido para nascer e pedia para minha mãe largar do meu pai e irmos embora. Algumas vezes, presenciava discussões e ficava com medo de sair, pensando que minha mãe não estaria em casa quando voltasse da escola”, conta emocionada.
Embora seu pai já conhecesse a BSGI, não colocava em prática a filosofia humanista. Vivia para o momento, dilacerado pelo peso de suas inúmeras dificuldades. Sobre esse período, Sueli conta que hoje compreende que se tratava de karma1 a questão crucial é transformar o momento presente no local onde se está, pois atraímos vidas idênticas à nossa”, explica. Sua família não entendia que era preciso mudar, transformar as circunstâncias, a começar pela própria casa, e dedicarem-se à prática individual bem como nas atividades da organização em prol das pessoas. Diante das dificuldades, sua mãe, aconselhada por associados veteranos da região onde moravam, decidiu tomar o destino em suas mãos e mudar a sua vida de forma radical.
Nessa ocasião, viviam em Mococa, e mudaram para Campinas. Sueli já estudava nessa cidade e vivia na casa de uma família de associados. Quando seus pais chegaram, decidiram montar um negócio, mas em pouco tempo perdeu tudo. “Meu pai ficou com o nome sujo, vários protestos, dívidas, sem profissão e cinco filhos para criar”, conta. Foi nessa ocasião de grande desespero que a muito jovem Sueli despertou para a sua missão. Tinha 12 anos e, embora ainda restasse muito ressentimento contra o pai, decidiu dedicar-se a mudar a sua vida, junto com a mãe. “Assumi a responsabilidade pela minha felicidade e passei a me dedicar à propagação da filosofia humanística do Budismo Nitiren em prol da paz e pela felicidade das outras pessoas!”, exclama.
A mudança para São Paulo, São Mateus, Zona Leste da capital, viu surgir uma nova mulher. Seu primeiro emprego foi como ajudante de faxina. Seu pai empregou-se como ajudante de serralheiro na mesma oficina. “Eu tinha três metas: que meu pai tivesse uma profissão, que nossa família comprasse uma casa e que eu cursasse uma faculdade”, elenca. Aos poucos, com a melhora da situação, conseguiu cursar a faculdade tão almejada. “Hoje, sou formada em Ciências Contábeis, mas sou é contadora de histórias. [risos]”, diverte-se.
Com profunda gratidão, Sueli recorda-se do carinho dos veteranos que incentivavam seus pais, sem nunca desanimarem muito menos desistirem deles. Mesmo diante das repetidas recusas de seu pai, cansado pelas vicissitudes da vida, o veterano continuava a visitá-lo. “Esses momentos ficaram eternamente gravados em minha vida”, emociona-se novamente.
Em 1984, quando da terceira visita ao Brasil do presidente da SGI, dr. Daisaku Ikeda, Sueli atuava no Núcleo Feminino de Jovens. Devido à sua tenacidade e bom humor, foi designada para o hotel onde a comitiva se hospedou. Em uma ocasião, pediram-lhe que levasse um documento a outro andar. Ao sair do elevador, deparou-se com o presidente Ikeda. Emudeceu e não soube o que fazer. Ele se aproximou sorrindo e disse: “muito obrigado”. Aquele encontro ficou gravado nas profundezas de sua vida. “Naquele momento senti a enormidade daquele homem e jurei nunca traí-lo”, ressalta.
Trinta anos se passaram desde aquele encontro e daquela pequena e atônita jovem, surgiu uma pequena mas grandiosa mulher, resoluta, decidida e mais obstinada do que nunca. Pouco depois de assumir a liderança do Núcleo Feminino da BSGI, em 2009, Sueli foi ao Japão e reencontrou-se com o dr. Ikeda. “Eu estava bastante apreensiva. Viajei com o sentimento de representar dignamente cada companheira do Brasil”, enfatiza. Minutos antes da reunião começar ela foi informada que ficaria no palco. O presidente da BSGI, Júlio Kosaka, sentou-se ao seu lado e disse-lhe, apontando para uma porta: “Olha, o presidente Ikeda vai entrar por ali. Fale tudo o que você tem para dizer a ele”. Ao vê-lo, espantou-se: “não dá para explicar. [pausa] É uma energia que muda totalmente o ambiente”, elucida. Sua impressão do ocorrido foi a de que ele observava a tudo e a todos com o coração de quem quer abraçar e acalentar cada companheiro presente.
“Segurando a mão dele, eu disse: ‘Muito obrigada!. Por favor, fique tranquilo. Nós vamos atuar com toda a união’. Ao que ele respondeu: ‘Estou tranquilo. Estou tranquilo’. E tocou em meu rosto. Compreendi que ele queria dizer: ‘Eu conto com você. Conto com cada membro do Núcleo Feminino do Brasil’. Naquele momento, não era somente eu quem estava ali. Representava as nobres veteranas e as integrantes do Núcleo Feminino da BSGI. Foi um momento único! Sublime!”, detalha a coordenadora.
Perguntada sobre os planos do Núcleo que lidera para este e os anos vindouros, ela diz simplesmente: “cada companheira deve ser o Sol que ilumina e aquece o coração das pessoas ao redor, principalmente na família. Precisamos ser radiantes como o Sol e proporcionar um ambiente em que todos atuem com alegria e tranquilidade. Devemos iluminar e irradiar esperança. Basta ser você mesma, todos os dias!”.
1 Em sânscrito, karma significa "ato deliberado". Nas suas origens, a palavra karma significava "força" ou "movimento". A literatura budista esclarece que significa que cada pessoa receberá o resultado das suas ações. Causa e efeito, ou consequência.
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